O conto

um filme bem passado
do lado
do azul
lá na cidade estado

trocaram olhares profundos
penetrantes
marcantes
quase tão absurdos

teve papo com leveza
aleatório
oratório
com pingo de safadeza

deixaram o resto de lado
as ânsias
as distâncias
mas de dedos entrelaçados

encenaram então o adeus
apertado
gratificado
tão seu enquanto meu

na saudade fica o chamego
da cama
da chama
de toda a paz do aconchego

move-se então a cortina
do perto
do afeto
de cada vida libertina

e lá dentro fica pois o prato
preparado
intocado
dum nosso todo ainda não saciado.

Lados

Uma manhã
um dia nublado
mil pensamentos embaralhados

ela estava no meio do caminho
tantas ruas, nenhum destino
não queria se perder

ela acreditou no presente
focou, pediu
tentou se orientar

tantas vozes a perguntavam
“o que sera dessa jornada”
não podia dar o que queriam

o sorriso em sua tela
daquela que tinha sua saudade
deixava-a ainda mais duvidosa

ela só queria plenitude
a mesma paz que desejava
queria acreditar nisso
e saber o que viria

ela se perguntava o que seria
do amanhã, do mês que vem
do ano que viria
sabia o que não queria
as não bastava

precisava focar-se
estava em todos os lados
estava em todos os cantos
estava em lugar nenhum

no meio do caminho havia uma dúvida
que pausava a vida
que desacelerava o coração
que agitava a cabeça
e desfalecia o corpo

num suspiro profundo
contou 1, dois, 3
olhou o relógio
e seguiu com o dia.

Um

Escolheu a vida só, além do dois.
Teve dúvida, medo e incertezas quanto às próprias capacidades.
Julgou-se.

Havia abandonado a zona de conforto e decidido partir ao desconhecido, de peito aberto e coração na mão.
Temeu o futuro.

A dor aguda, constante e inevitável traziam angústia, mas também um certo alento.
Sentia um paradoxo sem fim.
Sem explicação.

Pensou nas dores de amor como as chuvas em Março nas terras Tupiniquins.
Mesmo fortes e persistentes, passam com a chegada de Abril e o sol do Outono.
Pensou nas folhas tocando o chão e levando consigo cada sentimento e memória do que foi.
Refletiu.

Pensou em si, nos planos, nas coisas boas que ficaram e questionou o que estaria por vir.
Cogitou sua idade.
Contou tempo, espaço e metas.
Questionou o futuro.

Na árvore de sua vida, uma brisa levou consigo a última e resistente folha.
Tudo se esvai.

O coração esvaziou, a cabeça se preencheu.

Como um moinho d’água, seus pensamentos se renovaram e seu ser se aquietou.
O inverno que pareceu demorar pra sempre foi inundado com uma imensidão de brotos e novos sentimentos.
A água agora era fresca e seus pensamentos também.

Cresceu.

Na clarividência de sua força, enxergou-se longe.

A cada flor, uma nova experiência.
A cada experiência, um aprendizado novo.

Rezou baixo para que essas sim prevalecessem e que se multipliquem a cada desabrochar.

Concluiu que ser um não é ser só.
Mas apenas permitir-se ver e viver uma nova primavera.

Recado

Com o coração na mão
e de peito aberto
escrevo-te um recado
pra não esquecer

longo foi o tempo
amando sincero
de credo em alento
que se viu viver

mudanças tantas
aqui e acolá
passagens e andanças
fizemos muito a voar

idas e vindas
chegadas e partidas
abraços e acolhidas
saudade do estar

algo num súbito
mudou-se em absurdo
sem muita compreensão
veio o adeus de sopetão

hora é, pois, de dizer
o quanto isso me faz doer
as crenças e confidências
dos tantos anos juntos a viver

palavras que não se completam
lágrimas que não se secam
ferida que se abriu
ainda viva me dissecam

que fique, então, registrado
da dor que dói sem compasso
dos planos que se retiram
da vida minha que mais cobiçam

fecho os olhos pro passado
esqueço o que deu errado
prometo seguir o passo a passo
levantar o abstrato

o vício e a abstinência
buscam perdão como ciência
tamanha a prepotência
não se conserta com essa frequência

digo-te pois, adeus
seguirei sem os pensamentos teus
deixo-te de vez seguir
quando de fato sou eu
quem há muito devia partir

Apatias

Numa manhã
de um dia nublado
tinha mil pensamentos embaralhados

Estava no meio do caminho
tantas ruas, nenhum destino
não queria se perder

Acreditou no presente
focou, pediu, implorou
tentou se orientar

Quantas vozes, tantas perguntas
o quê será dessa jornada?
não soube dar o que queriam

Desejava plenitude
a mesma paz que tanto via
queria acreditar nela
e saber que no final viria

Perguntou-se, pois, o que seria
do amanhã, do mês que vem, e do ano que seguia
conhecia o que temia
não bastava.

Precisava encontrar um foco
estava em todos os lados
tocava todos os cantos
o mesmo que em lugar nenhum

No meio do caminho havia uma dúvida
que pausava a vida
desacelerava o coração
e agitava a cabeça

Num suspiro profundo
à evitar o absurdo
pensou naquele que a sorria

Contou 1, dois, 3
olhou o relógio
e seguiu com o dia.

Misturas

O cenáriocropped-autumn_leaves_PNG3582-3.png
a música
as curvas ao vento.
Os cachos dourados
o sorriso estampado
a incredulidade presente.
A fusão de cores
a criação de odores
a paisagem perfeita.
O coração acelerado
temia não estar de fato
a presenciar tal grandiosidade.
Uma natureza formatada
por mãos
nem de ouro ou prata
pra construir a unidade.
E ela
ah, ela!
Maravilhada em corpo e alma
queria ali fazer morada
em dias de sol
e nas noites estreladas
As belezas de seu mundo
pequeno, baixo, sem muros
lhe encantavam sem mesuras.
No fim
não viu mais nada.
nem o tempo
ou o cansaço
ou o que viria.
As misturas eram reais.
e ela fazia parte delas.
Olhou pra trás
registrou o poema
prometeu-se retornar
e saiu de cena.

Sentidos

O que se perde, o que se vaicropped-autumn_leaves_PNG3582-2.png
não se controla, apenas sai
gritos de desespero
chamados para dar-se um jeito

Significados perdidos
de vida, de amor, de sonhos já tardios
impossíveis em aparência
queimados, sem resistência

O passado, inexplicado, e o agora
parece que sim, é chegada a hora
de rumar, libertar o coração
de confiar que nada disso foi em vão

Prepotência, impaciência, o cansaço
o que passou deixou agora só o bagaço
que embora doce não se pode mais consumir
e que levou a essência do querer existir

Sem razão e sem planos
o silêncio segue racionando os anos
e o que outrora parecia certo e comprometido
tira hoje a paz da mente e confunde
o que antes fazia tanto sentido.

Resistência

 

Tucropped-autumn_leaves_PNG3582-3.png
que me atiras no peito
que não aprendeu que o respeito
é de todos um direito.

Tu
que defendes o teu dinheiro
que pensas como um chiqueiro
que não sabe o que é verdadeiro.

Tu
que incitas o ódio e o medo
que vives a procurar despeitos
que atacas e deixa marcas sobre o passeio.

Tu
não sabes o quanto me dói
em ver uma depressão que corrói
tudo o que por ódio se destrói.

Tu
que te informes ligeiro
que não te acomodes em teu asseio
pois não o deixaremos como modelo

Tu
que te lembres dos dias
e das noites sem melodia
pois o teu carnaval é agora a nossa poesia

Tu
que saibas que somos muitos
que não deixaremos ao absurdo
tamanho ataque ao nosso mundo

Pois hoje
gente de todos os tipos
o nosso ideal se faz forte
unido, fortalecido, de grande porte
não importa a tua competência
una-se já, à nossa resistência.

Mundana

Bate dentro
bate forte
bate pra todo lado.

Bate em mim
bate nele
bate pra ver cair.

Violenta a alma
arrebenta a pele
regozija em prazer.

A mente insana
o corpo árduo
o querer da vingança.

Bateu nela
bateu mais
não saciou.

O nó na garganta
a confusão mundana
transmissão de culpa.

Violência que segue
em mente, agora, em pele
sem razão nem questão.

Marcas de uma vida
pensada ser resolvida
abertas
numa alma pra sempre ferida.

Campos

No meio da neblina matutina, ele caminhou decisivo.

Pensamentos embaralhados, uma jornada incompleta.
Nada em seu caminho o perturbava, apenas a mistura dentro de si.
Seus planos, suas ideias, seus amores.
Tudo e nada fazia sentido.
Ao mesmo tempo, intensamente.
Sabia que uma decisão havia de ser tomada, porém às variáveis devia-se considerar.

“O que dirá ela?”, pensou.
“Quais tormentos a tira o sono?”, perguntou-se.
Queria de tudo saber.

Seus passos constantes, sua respiração gelada.
Há muito não se sentia assim perturbado e há muito não se deixava levar.
Sua alma havia sido tomada por perguntas que não se permitia responder desde que ela se fora.
Seu coração, tomado e abandonado, lhe concediam pouco mais do que esperança.
Não quis desistir.

No meio da neblina matutina, ele respirou fundo.
Deixou o ar gelado da manhã de outono preencher seu corpo.
Sentiu o cheiro do mato, ainda congelado pela cerração da noite.
Ouviu os pingos distantes do derretimento do gelo.
Abriu seus braços.

Pediu ao universo que o levasse, que dissipasse sua agonia.
Sua alma estava enamorada, sua amada distante.
Tudo lhe parecia perdido.
Tudo lhe havia sido tirado.

Suas possibilidades então falidas
Ressurgiram, assim, das cinzas.
À imagem dela distorcida
Ao toque de suas mãos vazias.
Tocou-lhe a face, retornou à realidade.
Perguntou se apenas o sonho lhe faltava.

Entregou-se ao seu abraço
“Pra sempre?”, pediu ligeiro.
“Pra sempre!”, respondeu-lhe meigo.
Partiram, pois, a caminhar juntos
Na estrada, na vida.
Num querer contínuo, firme e adjunto.